"Meu filho homem"
Pois uma coisa é mais que certa, companheiro: filho meu não envereda pra outro lado não! Tem de gostar do que é certo. É homem. As coisas não andavam certas lá em casa não. Não, não estavam. Mas hoje estão, graças ao que fiz e à Santa Inês. Onde já se viu sem-vergonhice na família? E eu peguei os dois; peguei foi na hora certa senão... Um rapazote, na época. Que decepção... Mas na minha casa não! Só entra se for Homem. Eu como pai tinha de fazer algo. Se ele não aprender a ser Homem agora, nunca! Tem de gostar do que é certo!
Poderia ter feito eu mesmo, igual meu pai, avô dele, fez comigo. Mas hoje os tempos são outros: não posso colocar o garoto pra aguentar sem eu ir parar no xilindró.
Qual foi minha ideia – minha ideia foi certa! Que homem resistiria? Levei Junior na antiga Vila Rubim pra ele mandar ver. Eu puxando ele pelo braço e com aquela imagem na minha cabeça: um filho meu beijando uma rapariga! É: uma qualquer, uma mulher. Que falta de respeito! Ainda bem que fez essa nojeira escondido! Mas, se eu não tivesse pegado os dois, vai saber o que ele era hoje, né? Pai biológico? Maria das Graças! Um rabo de saia, misericórdia! E o ingrato ainda ia se sacudindo todo, duvidando, me perguntando, Pai, onde a gente vai, pai? Desculpa, pai. Aí te repito: se não fosse EU, o que ele ia ser hoje? Graças à Deusa ele cresceu livre. Casou com um varão e hoje eu tenho até dois netos adotivos (que é o certo, né, bebê?): o Shenisley e a Leo. Júnior levou esses dias o rapazinho, o Shenisley; levou o menino na Rubim igual eu fiz com ele. Fiquei sabendo, nas rodas de vogue que o garoto fez fama já no primeiro dia de sauna. “Benzadeuza”! Por isso te digo: quinze anos é a idade certa pra tradição. Com quinze anos a gente leva os meninos pra conhecer a vida.
Neto meu, ou filho meu, tem de respeitar o nome da família. Família gay com muito orgulho! Você vê por aí tanto viado curado que dá nojo! Mas na minha família não: tem bicha de sangue! E foi por isso que eu fiz. Vi meu filho se agarrando com uma racha num dia e, no outro!, levei ele na sauna. Me diz aí você lendo: quem resiste aos pelos fartos, uma barba bem feita e um cheiro de Avanço bem gostoso? Ah, na minha família homem tem de gostar Homem!
Júnior, naquele longo dia, soube o que era ter orgulho de ser bicha. Honrar a raça. Entrou à força? Entrou. Mas saiu a força também pela graça da Deusa! Sangue de bicha na minha família é assim: sangue rosa forte!
Sobre o autor
De família mineira, nascido na transviada margem capixaba, Hugo Estanislau é formado em Letras Português pela UFES e empregado público federal. Em 2014 foi premiado no II Prêmio UFES de Literatura na categoria Coletânea de Contos e Crônicas.
Conheça as obras da Pedregulho com temática LGBTQ+:
😆, só pelo meio do texto percebi que estava entendendo erradamente 😋.