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  • Foto do escritorEditora Pedregulho

Entrevista com Angélica Glória


“Escrever o ‘espetáculo’ foi um grito que já esperava, agarrado nas paredes da minha garganta, para ser dado há muito tempo, dessa forma Angélica Glória inicia a nossa entrevista sobre o lançamento de seu livro de poemas "Espetáculo Lésbico”, lançado este ano pela Editora Pedregulho.

Angélica vive em Niterói, no Rio de Janeiro. Além disso, é psicóloga e mestranda em Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisa cuidado com mulheres lésbicas. “Espetáculo Lésbico” é seu primeiro livro de poemas, mas ela também publicou dois projetos de ficção científica distópico: o livro “Fisgadas” e o conto “Noite Feliz”. Conheça mais sobre a escritora em nossa entrevista:

1 - Como foi o processo de escrita do livro? É um livro com muitos poemas que passam por várias fases e experiências, foi muito tempo de escrita também?

Escrever o ‘espetáculo’ foi um grito que já esperava, agarrado nas paredes da minha garganta, para ser dado há muito tempo. Sabe quando você é pequena e tem alguma coisa errada acontecendo, você não sabe dizer o quê, mas sabe que não é bom? E aí você cresce com essa sensação de náusea à deriva que não passa com chá nem com as drogas que o farmacêutico indica, mas daí, numa tarde, você é grande suficiente para olhar pra trás e conseguir explicar para alguém que está do seu lado o que era? E aí você se altera, sua voz ganha um tom alto e aquela sua interlocutora nem tem nada a ver com o que está acontecendo, mas você continua falando sem parar numa tentativa de se justificar, de convencer quem te escuta, mas você sabe que se atropela porque diz tudo isso para si mesma?


Foi assim a escrita do espetáculo. Colocar as palavras juntas nas frases não demorou, mas o resto... O resto levou um pouco mais de tempo.


2 - Seus poemas são muito importantes, pois falam com muito orgulho e alegria sobre mulheres que amam mulher. Como você se sente sabendo que outras mulheres vão se identificar dessa forma com a leitura, principalmente porque essa representatividade na literatura ainda não é tanto publicada como deveria?

Me sinto magnífica, rs. Fico muito contente de acompanhar outras autoras lésbicas publicando e alcançando público. A literatura lésbica brasileira ainda é muito ínfima, mas estamos alterando esse cenário. Há tantas leitoras por aí procurando livros que façam sentido, que permitam que elas mesmas se mostrem. Nós só precisamos alcançá-las.


3 - As ilustrações também foram feitas por você, como foi esse processo de ilustrar o próprio livro?

Ilustrar é uma brincadeira que me ajuda a passar o tempo e a modificar a realidade. Gosto muito de arte, sobretudo arte experimental, esboços, desenho cego, anatomia humana modificada. Sobre anatomia, olho bastante as esculturas de Epigono, Caravaggio, Policleto. Fico muito hipnotizada pela possibilidade de reproduzir o humano e transformar, o vir a ser sempre outro da arte é algo que me instiga tanto na literatura, quanto na arte, então eu desenho. Esse foi o meu motivo maior para trazer as ilustrações escolhidas para o espetáculo, trazer a temática do possível como mote do livro.

4 - Você vem da literatura de ficção científica, como foi experimentar a poesia?

Na verdade, eu venho da poesia antes da literatura em prosa. Meu caminho com a poesia é de tempos antigos, em uma vida completamente diferente, quase como se não fosse a minha. Nos nossos encontros casuais, eu e a poesia, tínhamos uma conexão indomável, mas curta. Em doses esporádicas.

Reunir poemas em um livro? Se você me perguntasse, eu me fingiria de morta. Mas o tempo, ele equilibra suas desumanizações com piedade, né? Então acabei conseguindo reencontrá-la e pensar no projeto do ‘espetáculo’ e foi quase inacreditável voltar para a poesia, assumindo de vez a nossa relação.


5 - O livro é dividido em 7 partes: “espetáculo lésbico”, “lamento”, “sufoco”, "mãe de vocábulos", “feminal”, "possibilidades" e finita. você consegue resumir para o leitor o que ele encontrará em cada uma das partes?

"Espetáculo Lésbico" será minha declaração de amor à todas que ousaram se permitir existir. Terá um pingo de romance-ficção poético. "Lamento" e "Sufoco" caminharão de mãos dadas, como na vida, primeiro a gente se desespera e é terrível, parece que não terá jeito, mas passa. E então, quando acontece de novo, a gente sabe que vai passar. mas ainda aperta. "Mãe de vocábulos" trará a escrita como experiência que assusta e move. "Feminal" será um pequeno conjunto de poemas para fêmeas nervosas. "Possibilidades" será meu gesto de carinho e esperança no mundo. Em "Finita" a leitora corajosa irá enfrentar a morte. E terá de se haver com ela.


6 - E eu percebo também que você usa o espanhol em alguns poemas numa interessante mistura de línguas. Qual a sua relação com o idioma espanhol?

Tenho uma relação muito gostosa com o espanhol, a angélica da outra vida foi moradora de Palermo Soho, tenho certeza. Vez ou outra entro numa fase Mercedes Sosa aqui em casa e olha, é difícil sair. Escrevi poemas e textos poéticos para a revista EÑES por um tempo e foi uma experiência deliciosa de me jogar nos braços da língua e indiretamente, quando escrevo, também me passam pela mente trechos em espanhol ou poemas inteiros. Quis trazer isso pro ‘espetáculo’ como uma forma de me abraçar integralmente, cada parte de mi cuerpo. E de abraçar essa latino americanidade que atravessa as brasileiras. Ainda estudo mais sobre isso, em tempos mais propícios.


7 - Vivemos um momento político e social muito difícil com diversos ataques à democracia e o avanço de ideias de fascistas. Como você enxerga o papel da literatura na luta antifascista e contra a homofobia também?

qualquer literatura é política e não há como fugir disso. pra mim, a literatura tem de permitir que o sujeito conte suas histórias e é nesse narrar que a realidade se altera. Audre Lorde fala muito bem disso em "A transformação do silêncio em linguagem e ação". Minha literatura não acaba com a homofobia, mas permite que outras mulheres voltem o olhar para si, assim como eu tive a chance de ver a vida ao ler outras mulheres como eu. É um exercício imortal de não permitir se calar.


Entrevista feita pela jornalista e escritora Lívia Corbellari, idealizadora do projeto Livros por Lívia e responsável pela comunicação da Editora Pedregulho.


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